22 de jul. de 2015

CULTURA

* A HISTÓRIA DE UM GUERREIRO    APINAJÉ E A ORIGEM DO MẼÔKREPÔX RUNHTI


Antigamente quando existiam muitos índios, os Apinajé, (nossos antepassados) realizavam muitas andanças e caçadas em seu território. Naquela época também faziam muitas incursões de guerra contra outros povos. Conta se que existia um jovem chamado Pẽpxi-ti que sempre acompanhava os adultos nessas expedições. Quando ficou adulto resolveu formar um grupo de cinco pessoas e saíram à procura de outras aldeias. Nessa expedição Pẽpxi-ti levou sua irmã moça. Então chegaram à aldeia dos Kupẽ rop e observaram que tinha muitas miçangas (kẽn).
Cantador Apinajé, com capacete de palha semelhante os usados por Pepxi-ti. (foto: Antônio Veríssimo. 08/2011)
Eles então acamparam e ficaram de tocaia esperando as mulheres que vinham retirar as mandiocas que estavam dentro da água. Ao anoitecer saíram e foram espionar a aldeia. Observaram que os Kupẽ rop estavam cantando no pátio e não perceberam a presença de Pẽpxi-ti e seus companheiros.

Pẽpxi-ti viu que a aldeia dos Kupẽ rop era muito grande, se atacassem com certeza seriam mortos.  Resolveram então ficar de tocaia no mato perto da fonte de água esperando para “pegar” os enfeites. No dia seguinte de manhã apareceram alguns homens e mulheres para tomar banho. Seus braços e pernas estavam bem enfeitados com miçangas e também traziam os cestos cheios de miçangas.

Decidiram que pegariam as miçangas somente no período da tarde. Durante o dia os Kupẽ rop correram com toras e cantaram no pátio à tarde inteira. No final da tarde seguiram para o rio para tomar banho. Os Apinajé (Panhĩ) observaram tudo. Quando o Sol estava entrando chegaram mais gente para banhar. Antes de entrarem na água os Kupẽ rop tiraram suas miçangas e guardaram em cima de jiraus.

Então Pẽpxi-ti e seus guerreiros aproveitaram esse momento para atacar os Kupẽ rop, mataram os homens e mulheres e pegaram as miçangas. Voltaram para moita onde estavam escondidos, anoiteceu e não apareceu mais ninguém na fonte de água. A irmã de Pẽpxi-ti sugeriu que viajassem a noite por que os Kupẽ rop costumavam banhar pela manhã e veriam os mortos. Se não saíssem logo seria alcançados e também mortos pelos Kupẽ rop. Pẽpxi-ti respondeu que deveriam aguentar a luta. A mulher disse que não. Tinham que partir. Assim cada um pegou miçangas e viajaram. Foram dormir na beira de outro rio, de manhã a mulher sugeriu que arrumassem logo um jeito de atravessar o rio, pois os Kupẽ rop com certeza estavam chegando.

Foram cortar buriti para fazer uma balsa e atravessar o rio. Depois de pronta colocaram na água para fazer a travessia. Quando estavam na metade apareceram os Kupẽ rop enraivecidos e passaram a atirar flechas que caiam dentro da água não atingindo nenhum (Panhĩ) Apinajé. Os Kupẽ rop perceberam que não tinha como atravessar o rio atrás dos Apinajé, foi então que Pẽpxi-ti começou a cantar.

Sua irmã então disse que não era hora de cantar. Mas ele respondeu que queria cantar. Ele cantou para todos os objetos que via. A irmã ficou ouvindo as cantigas de Pẽpxi-ti. Ele cantou para o peixe e para o Kupẽ rop. Continuou cantando até atravessar o rio em direção sua aldeia. Em terra para todo animal que via ele cantava. A irmã ia “gravando” na cabeça todas as cantigas que seu irmão ia cantando. Ao verem um jabuti Pẽpxi-ti puxou uma cantiga para o jabuti. O Sol estava muito quente. A irmã reclamou sugerindo que entrassem num brejo para se refrescarem. Ele então cantou para o Sol. Um calango correu e ele cantou para o calango. Enquanto isso sua irmã ia apreendendo tudo.

Ao se afastarem de perto do rio puderam viajar com mais calma. E a todo instante Pẽpxi-ti parava para cantar as coisas que via pelo caminho. Viajaram três dias para chegar à aldeia deles.  E levavam muitas miçangas (kẽn). Chegaram próximo à aldeia à tardinha. Acamparam na beira de um ribeirão. Pẽpxi-ti mandou que a irmã pegasse carvão das árvores queimadas e passaram no rosto para ficar preto. E assim pintados seguiram para aldeia. Na estrada encontraram alguns caçadores. Pẽpxi-ti ordenou que voltassem e avisassem que estavam chegando. Os caçadores voltaram e informaram ao cacique que se dirigiu ao pátio e chamou todos para dar a notícia.

Os familiares de Pẽpxi-ti foram saber se eram informações sobre eles. O cacique avisou que eles estavam chegando e que ia recebê-los no pátio. Eles chegaram cantando e enfeitados (as) com miçangas e capacetes de palhas de buriti. E os guerreiros carregavam pesadas bordunas nas mãos. A mãe e irmã de Pẽpxi-ti choraram muito depois que o levaram para casa. Ele então falou: “Agora vocês vão embora, depois que descansar bem eu darei um presente pra vocês”. Pela manhã Pẽpxi-ti levou as miçangas para o pátio e as distribuiu para todos da aldeia. Então o Ritual Mẽôkrepôx-runhti começou com as cantigas do guerreiro Pẽpxi-ti.


Mulheres preparando o bolo de macaxeira. (foto: Carlos Tep Krut F. Apinagé. Julho 2015)

COMO É REALIZADO O RITUAL MẼÔKREPÔX RUNHTI HOJE

Há muitos anos as cantigas do guerreiro Pẽpxi-ti (Mẽôkrepôx runhti) vem sendo ensinadas e repassadas de geração a geração dos Apinajé sendo cantadas até os dias de hoje em rituais de encerramento de luto. Através dessas cantigas nosso povo (Panhĩ) Apinajé, dialoga e se relaciona com as árvores, os animais, a água, o vento, as estrelas e o sagrado.

Atualmente o Mẽôkrepôxrunhti é um dos Rituais mais realizados pelos Apinajé e acontece sempre no período de junho a setembro. E durante realização dessa celebração são consumidos muitos alimentos, especialmente os produtos da roça como batata, farinha de mandioca e macaxeira; que é consumida em forma de bolo misturada preferencialmente com carne de caça.
Pela manhã encerramento do Meokrepox runhti. (foto: Carlos Tep krut F. Apinagé. Julho de 2015)

Para realizar o Mẽôkrepôx runhti as famílias devem cultivar uma boa roça e plantar esses produtos para garantir alimentação dos participantes. Os Apinajé também costumam realizar grandes caçadas e pescarias para arrumar carne e peixes para essa “Festa”. Porém com a diminuição dos territórios de caça, a escassez de animais e a diminuição do pescado a maior parte dessas proteínas são compradas na cidade.

A última Celebração foi realizada na aldeia Brejinho e iniciou se no dia 02/07/15 com corte de cabelo de alguns participantes nomeados para essa formalidade. Durante a noite inteira, de quinta para sexta teve cantorias no pátio da aldeia. Nos intervalos das cantigas aconteceram rodas de conversas, regadas a generosos goles de café.

No dia 03/07/15 pela manhã, os participantes homens e mulheres enfeitados com capacetes de palhas de palmeira babaçu se deslocaram do pátio até a casa onde foram expostos os bens para serem distribuídos. Depois das cantorias, danças e choros coletivos foram distribuídos produtos da roça especialmente farinha de mandioca, carne moqueada e arroz. Também foram distribuídas “coisas” adquiridas na cidade como colheres, pratos, bacias e panelas.

Os bens foram distribuídos entre os participantes, especialmente aqueles que ficaram acordados e ajudaram nas cantorias. Depois do encerramento, no período da tarde os participantes retornaram à suas aldeias.

Essa celebração reúne muitas famílias que vem de outras aldeias e até de outros povos. Por ocasião dos Mẽôkrepôx runhti as famílias se encontram e se confraternizam entre si; fortalecendo as relações de respeito e amizade. Por essa razão queremos sempre celebrar para que esses valores, saberes, costumes, mitos e crenças continuem sendo transmitidos para as gerações futuras.


* Narrativa de Amnhi Jovilina Apinajé

Fonte: tese de Doutorado de Odair Geraldin (ASPÊN PYRÀK) História, Cosmologia, Onomástica e Amizade Formal Apinajé. UNICAMP, Campinas SP. Fev. 2000. 



                                                               Terra Apinajé, 22 de julho de 2015


Associação União das Aldeias Apinajé-PEMPXÀ

13 de jul. de 2015

EDUCAÇÃO

DOCUMENTO FINAL DO ENCONTRO DE JOVENS APINAJÉ


      O  Encontro de Jovens Apinajé foi realizado no período de 10 a 12 de julho de 2015 na aldeia Mariazinha na terra Apinajé, no município de Tocantinópolis, Norte do Estado do Tocantins. O Encontro teve a assessoria do Professor Aluísio Lins Leal da Universidade Federal do Pará-UFPA e Sebastião Moreira missionário do Conselho Indigenista Missionário-CIMI GO/TO.
     No inicio do Encontro o professor Aluísio Lins Leal da UFPA discorreu sobre a conjuntura política, econômica e social do Brasil. O Professor enfatizou que o comportamento da sociedade contemporânea é orientado por um sistema político e econômico cada vez mais perverso e competitivo, que consequentemente estimula a exploração dos recursos naturais de forma predatória, suscita a corrupção política e econômica e provoca graves violações de direitos humanos.
     Por outro lado os órgãos do Estado brasileiro responsáveis pela efetivação das políticas públicas de Saúde, Educação, Moradias, Demarcação e Proteção de Terras Indígenas nunca funcionam adequadamente para atender as demandas das populações mais empobrecidas e exploradas do País.  Como se não bastasse temos verificado inúmeras tentativas de anular conquistas e desconstruir direitos dos povos.
       Atualmente existem inúmeras propostas legislativas que tendem suprimir direitos sociais já conquistados. A PEC 215/2000 é a mais conhecida e propõem transferir do Poder Executivo para o Poder Legislativo (Congresso Nacional) as prerrogativas de demarcar e garantir as terras indígenas, quilombolas e das populações tradicionais. Dessa forma essa proposta legislativa representa um grave retrocesso e o mais pervertido golpe contra os Direitos Humanos após a Constituição de 1988. O exemplo do Código Florestal a PEC 215/2000 também foi forjada para atender os interesses das bancada ruralista e evangélica.
      Preocupados com esses retrocessos e as graves violações de Direitos Humanos que estão ocorrendo no Brasil nas últimas décadas, onde as populações indígenas, os quilombolas e populações tradicionais encontram se encurraladas e pressionadas pelas grandes empresas. Sendo que por falta de demarcação de terras muitos povos estão sendo literalmente empurrados para miséria absoluta, pobreza extrema e vítimas das doenças, da fome, da intolerância racial e da violência dos ruralistas.

    Em 2014, especialmente no MatO Grosso do Sul, Bahia, Rio Grande do Sul e Maranhão lideranças indígenas foram covardemente assassinadas ou sofreram terríveis humilhações e perseguições por causa da luta para garantir suas terras. Pelo mesmo motivo no resto do País, muitas lideranças estão sendo presos, criminalizados e assassinados pela Polícia e jagunços a mando de madeireiros e fazendeiros.
     Nestes termos repudiamos com veemência o “Estado” de terror instituído por políticos e setores vinculados ao agronegócio, as madeireiras e as mineradoras que em nome da farsa do “desenvolvimento” e do lucro imediato estão acelerando o desmatamento e a destruição de importantes biomas brasileiros especialmente o Cerrado e a Amazônia, situação que vem agravando os incêndios florestais, as secas prolongadas e as crises hídricas em todas as regiões do Brasil.
     Dessa forma rejeitamos também a construção de “grandes projetos de desenvolvimento” como a Hidrovia Araguaia – Tocantins, as hidrelétricas de Santa Isabel no Rio Araguaia, Marabá e Serra Quebrada no Rio Tocantins. Não concordamos que esses empreendimentos sejam construídos em nossos rios, cujas bacias hidrográficas estão sendo fortemente atingidas e alteradas por construção de hidrelétricas, agrotóxicos e o desmatamento do Cerrado e da Amazônia.
       Denunciamos a proposta de implantação do MATOPIBA nos Estados de Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia que prevê uso dessa região de Cerrado para plantio intensivo da soja, cana e eucaliptos.  É inaceitável que essas práticas do agronegócio, baseadas na violência, truculência, degradação ambiental e escravidão continuem expulsando as populações indígenas, os quilombolas e os ribeirinhos para margens das rodovias e favelas dos centros urbanos do País, com conivência e apoio desse Governo. O Estado do Mato Grosso do Sul é um retrato fiel dessa situação.
       Consideramos absurda a proposta do Ministério da Saúde – MS de criação do Instituto Nacional de Saúde Indígena – INSI, que aponta para privatização do atendimento à saúde indígena, contrariando os preceitos constitucionais que diz que a “Saúde é um Direito de Todos e um Dever do Estado”.
     Declaramos nosso total apoio e solidariedade aos povos Avá Canoeiro do Estado de Tocantins e Guarani Kaiowá de Mato Grosso do Sul que atualmente estão sendo condenados e forçados a viver fora de seus territórios tradicional em situação de abandono e violência por falta terra demarcada para construir suas aldeias, plantar e viver em paz. Lamentamos que por falta de terra esses povos não têm sequer onde sepultar seus parentes de forma digna,contrariando suas culturas, costumes e tradições.
      Na manhã do dia 12/07/15 após avaliação os jovens e adolescentes participantes sugeriram que seja realizado mais encontros como esse para articulação do Movimento Indígena e a continuidade desse processo de aprendizado e formação. O 1º Encontro dos Jovens Apinajé foi encerrado ao meio dia com almoço.


                                                                                    Aldeia Mariazinha, 13 de julho de 2015

Associação União das Aldeias Apinajé-PEMPXÀ

6 de jul. de 2015

TERRA APINAJÉ

FUNAI NÃO PROTEGE AS TERRAS INDÍGENAS E INVASORES CONTINUAM LIVRES EXPLORANDO E ROUBANDO DE FORMA SISTEMÁTICA MADEIRAS DENTRO DA TERRA APINAJÉ

   Após terem recebido informações da ocorrência de exploração ilegal de madeiras na região do Pontal no extremo Norte da Terra Apinajé, no município de Maurilândia (TO). Na última sexta-feira 02/07/15, lideranças Apinajé acompanhadas de servidores da FUNAI/CTL de Tocantinópolis (TO) se deslocaram até o local indicado onde confirmaram a existência de árvores derrubadas e serradas prontas para serem transportadas para cidade.
     Esses crimes ambientais são recorrentes e constantes. Apesar de inúmeros documentos denunciando o corte e exploração ilegal de madeiras terem sido encaminhados aos órgãos competentes responsáveis pela Fiscalização e Proteção do Território Apinajé, nos últimos anos somente algumas ações isoladas foram realizadas pela Fundação Nacional do Índio-FUNAI e Polícia Rodoviária Ambiental do Tocantins-CIPRA, no entanto não temos notícias de algum resultado concreto e/ou de alguém que tenha sido efetivamente autuado e punido conforme a Lei.
     A falta de atuação firme, rigorosa e permanente da FUNAI e dos demais Agentes do Estado, permite que esses invasores continuem livres para agir de maneira deliberada e impune. Sendo que a lentidão e morosidade dos órgãos públicos responsáveis pela Proteção do Território Apinajé, também contribui diretamente para que esses delitos continuem ocorrendo de forma repetitiva, sem que nenhum suspeito seja investigado, responsabilizado e preso.
       Esse é apenas um dos casos que conseguimos monitorar e tomar conhecimento. A realidade é bem mais complexa. É provável que todos os dias e noites em alguma parte do território estejam ocorrendo invasões de caçadores, pescadores, coletores de frutas nativas e exploradores de madeiras, mesmo assim a FUNAI, o MPF e a Polícia Ambiental são incapazes de investigar e apurar quem são os autores desses crimes ambientais.
      Nessa época de estiagem, para burlar e confundir as Equipes de Monitoramento Territorial esses delinquentes queimam de forma intencional os campos e as matas para apagar vestígios e ofuscar sinais dos crimes cometidos.                     Existem também alguns que de maneira irresponsável e inconsciente insistem em continuar manejando de forma incorreta o fogo, utilizando se de práticas equivocadas que consequentemente implicam em sérios danos à saúde humana e ao meio ambiente causando irreparáveis prejuízos matériais a toda população indígena e não-indígena da região.
         Essa também é uma forma irracional e traiçoeira que esses criminosos inventaram para dificultar e desacreditar o trabalho dos jovens Brigadistas Apinajé, que pelo segundo ano consecutivo atuarão na prevenção e combate às queimadas nesta terra indígena.
    Doravante estaremos alertas e vigilantes conscientizando nossa população e cobrando providências da FUNAI, do IBAMA, MPF-AGA e da Polícia Rodoviária Ambiental do Tocantins-CIPRA visando à efetivação da fiscalização para prevenção desses ilícitos. Cabendo ao MPF, às autoridades policiais e judiciárias a apuração desses crimes ambientais e a exemplar punição dos responsáveis; sejam índios ou não-índios.


                                                                                                           Terra Apinajé, 06 de julho de 2015

Associação União das Aldeias Apinajé-PEMPXÀ